sábado, 24 de agosto de 2019

Quando Penso que Já Vi de Tudo !!!

Olá pessoal - tudo bem ? Eu decidi usar um pouco do meu final de semana para contar algo que ocorreu essa semana e que até o momento ainda nao consegui digerir muito bem.

Eu já narrei por aqui, algumas vezes, a minha jornada no mundo corporativo. Eu sempre tive um misto de sentimentos sobre como as relações no trabalho são desenvolvidas e os perfis mais comuns que costumamos encontrar por ai. Ao mesmo tempo que tenho bastante alegria e gratidão pelas oportunidades que eu tive, pelos cargos que venho ocupando, pela progressão da minha carreira que vem me permitindo oferecer experiencias que eu julgo importante para minha familia; eu também sempre tive uma certa frustração sobre como as demandas sao passadas, pela falta de planejamento, pelas atividades fora do horario normal de trabalho, pela falta de prioridades e o costume de pessoas com cargo de liderança tem de classificar tudo como importante e urgente - mesmo que seja somente uma reuniao para decidir o layout do escritório.

Como eu disse, eu vivo nesse mundo já há bastante tempo e tento manter uma visao um pouco distante ... o que quero dizer é que tento lembrar que eu não sou o Executivo Pobre, cargo tal na empresa tal ... eu sou o Executivo Pobre que está ocupando um cargo tal na empresa tal ... acho muito importante as pessoas nao associarem o que elas são com o cargo em que elas estão e talvez isso ainda me permite ter uma visao um pouco mais empatico sobre as necessidades comuns dos colaboradores. O fato de eu ter começado a trabalhar bem jovem (com 14 anos de idade) carregando caixas e me sujando de óleo - realmente colocando a mão na massa, me permitiu conviver com as dificuldades diárias das pessoas que estão em posições não tão privilegiadas no organograma das empresas.

Mas essa semana ocorreu algo que ainda estou pensando a respeito.

Vou tentar contextualizar para voces entenderem ... o meu chefe teve de demitir uma funcionária porque ela falsificou um recibo no relatório de despesas de uma viagem (vou falar mais disso em uma outra postagem). Essa funcionária era responsavel pelo departamento de logistica da empresa; então meu chefe começou a acumular as atividades ate que ele consiga contratar outra pessoa para esse cargo, uma vez que infelizmente nao temos ninguem na equipe preparado para assumir o cargo. Aqui já fica o registro da primeira falha - a pessoa demitida nunca se preocupou em realizar um plano robusto de sucessão e meu chefe nunca cobrou isso dos subordinados; entao poucas pessoas tem substitutos internos preparados para assumir a posição em caso de uma promoção por exemplo.

De toda forma, meu chefe viajou para o Brasil e ficou por lá por 6 semanas, coordenando a equipe e realinhando as funções e atividades ate conseguir contratar alguem para o cargo que ficou vago.

Durante esse tempo por lá, meu chefe percebeu algo que ja estavamos alertando há uns 4 meses - os parametros de inventario em nosso sistema estavam errados, principalmente os parametros de "reorder point". Por esse motivo, temos diversos materiais com excesso de estoque e outros materiais abaixo do nivel minimo de estoque de segurança.

Meu chefe então criou uma planilha de controle de inventario e atribuiu para a gerente de planejamento a responsabilidade de atualizar os parametros de inventario. Aqui cabe ressaltar dois pontos - primeiro, a gerente de planejamento nao tem experiencia com controle de inventario, e segundo, ela estava grávida e pronta a sair de licença maternidade.

Com toda a situação na empresa e a correria - ela começou a trabalhar mais de 14 horas por dia tentando entender a planilha cheia de conceitos que ela nao dominava. 

E, como sempre ocorre, quando voce não planeja com um minimo de eficiencia, então os problemas começam a aparecer. A gerente de planejamento entrou em processo de parto e o seu filho nasceu de 7 meses (está tudo bem com a mamae e com a criança) - obvio que ela teve de se ausentar da empresa e iniciar a licença maternidade.

E meu chefe ficou novamente com o problema na mao e esta trabalhando ate tarde e final de semana para resolver a questao dos parametros de estoque.

Eu ofereci uma força tarefa com ele e resolvemos esse assunto em dois dias - eu, ele e o gerente de logistica aqui dos USA ficamos trancados na sala e recalculamos todos os reorder points dos materiais e verificamos o estoque atual de cada um dos componentes, atualizamos o sistema e rodamos dezenas de simulações para confirmar que tudo esta funcionando corretamente.

Uma vez problema resolvido - meu chefe resolveu desabafar e começou a comentar como ele achava absurdo nao termos pessoas no departamento de logistica com conhecimento basico para controle de inventario e calculo de reorder point, estoque minimo e maximo e analise de lead time. Até ai ele estava correto e apenas desabafando com a gente.

Mas em um momento ele disse: "Eu nao entendo também a postura do pessoal - voce veja, por exemplo, a gerente de planejamento. Esse trabalho que fizemos, eu pedi para ela fazer e ela nao me entregou nada".

Antes que eu pudesse intervir, o meu colega comentou: "mas ela nao teve um bebe prematuro e saiu de licença maternidade ?"

Meu chefe respondeu: "sim, mas ela saiu de licença, nao saiu da empresa. Ela poderia, por exemplo, ter se oferecido para atualizar a planilha de casa - ja que ela está em home office."

Nós imediatemente replicamos que ela nao estava em home office - ela estava em licença maternidade. E que seria muito dificil ela fazer qualquer coisa do trabalho tendo de amamentar e cuidar de uma crianca recem nascida.

Mas, ai percebemos que ele nao estava sensivel a essa situação, porque ele nunca vivenciou isso. Meu chefe nao viu o primeiro filho nascer porque estava em uma viagem a trabalho (e o filho nao nasceu prematuro ou algo assim); ja perdeu inumeros eventos, aniversarios, comemorações; costuma trabalhar no final de semana; sempre teve baba para cuidar das crianças (nao que isso seja um pecado, mas precisa entender que tem pessoas que nao tem acesso a essa comodidade) e, por ultimo mas nao menos importante, ele nunca entendeu as dificuldades das pessoas comuns porque ja começou sua carreira em um programa de trainee, virou gerente muito cedo (nao que isso seja um problema - tem excelentes programas de trainee que formam excelentes gestores), mas ele nao tem habilidades para gerenciar pessoas.

Fizemos ele prometer nao falar isso fora daquela sala para ninguem - ja que ele poderia ser interpretado de uma maneira que tornariam as coisas dificeis para ele. Ele concordou mas claramente nao entendeu o motivo de estarmos tão "assustados" com os comentarios dele.

Explicamos diversas vezes que seria um absurdo ele sequer "considerar a possibilidade" de a pessoa se oferecer para atualizar planilhas durante a licença maternidade - mas realmente eu acho que ele nao considera um absurdo e estava esperando que a pessoa olhasse como uma oportunidade para crescimento profissional.

Me parece que ele só conhece uma formula de crescimento na carreira - a que ele aplica na carreira dele - e espera que todos sigam a mesma receita.

Nao vou nem entrar no debate das dificuldades que as mulheres enfrentam para conciliar carreira e maternidade - pois isso seria ainda mais dificil de contextualizar e ter uma conversa produtiva.

Mas, realmente, dessa vez o meu chefe me surpreendeu.

Normalmente, eu nao tenho problema com ele. Ja tivemos diversas discussoes no passado e ja conhecemos bem a forma de trabalhar um do outro. Ele gosta de informar e pegar a aprovação de todos antes de executar qualquer atividade (o numero de reunioes e apresentações é absurdo); eu prefiro nao focar nas atividades das pessoas, no horario que chegam ou vao embora ou quanto tempo ficam almoçando; se me entregam os resultados estamos todos bem.

A minha formula vem funcionando bem para mim e a formula do meu chefe funciona bem para ele. Nao podemos negar isso pelo proprio progresso que teve na carreira - mas me parece que ele nao enxerga nenhum proposito ou objetivo maior na vida do que a empresa (e ele não é nem dono da empresa, porque nao investe e nao tem ações do grupo).

O receio é sempre como uma pessoa assim reage, caso em um momento de crise, a empresa decide cortar pessoal e ele está incluido na lista. Como sei que ele tem dividas e nenhuma reserva, o impacto financeiro é gigante; mas o impacto emocional seria ainda mais devastador, pois creio que a pessoa associa o que ela é com o cargo que ocupa. 

Vamos aguardar as cenas dos proximos capitulos.

Um grande abraço, pessoal.