sábado, 28 de fevereiro de 2015

Executivo Pobre no Tribunal do Juri - Parte II

Ola pessoal - tudo bem ? Na semana passada eu iniciei o relato da minha experiencia sendo jurado no Tribunal do Juri. Decidi fazer o relato em duas partes para não ficar muito longo e poder dar um pouco mais de detalhes em cada postagem. Então aqui vai a segunda parte:

Depois da apresentação das testemunhas de acusação e de defesa; onde o policial praticamente humilhou o defensor durante as perguntas, veio então a fase de debate. Nesta fase, foi explicado que o promotor teria direito a 01 hora de discurso para fazer a acusação, sendo que na sequencia o defensor teria 01 hora para fazer a defesa do réu. Depois disso, caso ache necessario, o promotor poderia ter mais 01 hora para a replica e a defesa 01 hora para a treplica.

Tanto o promotor como o defensor usaram todo o tempo a que tinham dinheiro, o que tornou o processo bem cansativo para todos. Então vou focar nos pontos principais que eu lembro:

 - O promotor iniciou a acusação falando do perfil do reu e como ele tinha atirado a sangue frio nas vitimas, sem que essas tivessem tentado reagir. Falou também da fuga da policia e dos disparos contra policiais e reforçou que o réu estava paralitico porque ele mesmo tinha se colocado naquela situação. Teve um momento que o promotor virou para todos os jurados e perguntou porque nenhum jurado tinha tomado tiros da policia; e após um momento de silencio o proprio promotor falou: "voces nao tomaram tiros da policia, porque nao fugiram da policia. E nao fugiram da policia porque nao sao bandidos. Quem foge da policia é bandido e quem atira contra outras pessoas é assassino."

 - O defensor iniciou a defesa mostrando como esse tinha sido o primeiro problema do rapaz com a justiça, disse também que o rapaz trabalhava para ajudar em casa e que ganhava em torno de R$700,00 / mês e ainda ajudava a comprar remedios para o irmão mais novo que tinha algum tipo de enfermidade. Disse também que admitindo que a função da pena era "punir" pelo crime cometido, o rapaz já havia sido punido o suficiente uma vez que estava paraplégico e com problemas de saude. E que por esse motivo o defensor pedia a absolvição do reu, e ainda caso os jurados não concordem com a absolvição, que afastem então a tentativa de homicidio do reu.

- O promotor usou o direito da replica e começou dizendo que concordava com o defensor e que o réu deveria ser absolvido. Todo mundo ficou chocado neste momento, mas ai o promotor continuou e disse que concordava com a absolvição do reu se o juiz desse autorização para todos os paraplegicos também poderem atirar, roubar, etc... afinal eles estavam sofrendo tanto quanto o réu e nem por isso eles estavam roubando. O promotor também aproveitou para dizer que o pai do reu também trabalhava, tambem ganhava 01 salario minimo, também morava na periferia ... e com tudo isso, o pai do reu nao tinha roubado e nem tentado matar ninguem.

- Logo depois o defensor veio para a treplica e abandonou a estrategia da absolvição por piedade e começou a focar na agressividade da policia. Disse que os policiais abusaram do poder e usaram força letal sem necessidade. Aproveitou e falou que o crime nao era tentativa de homicidio, porque o reu nao tentou matar os policiais, e na verdade, tratava-se do crime de resistencia pois o reu tentou se resistir a ação de agente publico mediante grave ameaça ou violencia. Pediu então para que os jurados nao condenassem o reu por tentativa de homicidio e sim por resistencia a prisão.

Depois que o defensor encerrou a fala, o juiz chamou os jurados para a sala de votação. Fomos todos para a sala de votação, onde o juiz formulou as perguntas que os jurados deveriam responder e deu os cartões onde estava escrito SIM ou NÃO para que pudessemos votar.

As perguntas sao sempre perguntas fechadas e que nao permitem existir contoversia. Caso a votação apure uma controversia, o juiz explica novamente os criterios e reinicia a votação.

Eu lembro que as primeiras perguntas eram:

 - Os jurados confirmam que houve uam seuqencia de roubos no dia xx ?
 - Os jurados confirmam que o reu participou da sequencia de roubos ?
 - Os jurados confirmam que houve disparos de arma de fogo durante os roubos ?
 - Os jurados confirmam que o reu foi o responsavel por disparos de arma de fogo durante os roubos ?
 - Os jurados confirmam que os policiais perseguiram o reu e deram ordem para ele se entregar ?
 - Os jurados confirmam que o reu atirou contra os policiais, sem no entanto conseguir atingir o alvo ?

Eram perguntas desse tipo e os jurados tinham de fazer a votação. Fizemos a votação e o juiz foi definir a pena baseado nos crimes pelo qual os jurados condenaram o reu. Na votação, o reu foi condenado por 5 x 2 por tentativa de homicidio e por 7 x 0 pelos roubos.

Enquanto o juiz definia a pena, chegou uma pizza para os jurados comerem e o promotor pediu para darem um pedaço também para os policiais que faziam a guarda do reu e um pedaço também para o reu.

O juiz retomou o julgamento e leu o veredito onde o reu foi condenado a 17 anos e 8 meses de prisão.

Esse foi um resumo de tudo o que aconteceu, porque foram muitas horas de depoimentos e debates.

No dia 09/03 eu tenho de comparecer novamente no forum para participar de um novo julgamento. Se eu for sorteado, terei oportunidade de participar novamente do juri - vamos ver o que acontece.

Um grande abraço a todos.

7 comentários:

  1. Bastante interessante! Meus pais são advogados e cresci ouvindo este tipo de coisa em casa. A alguns dias vi o filme "doze homens e uma sentença", muito legal, recomendo.
    Me chamou atenção esta parte:
    "voces nao tomaram tiros da policia, porque nao fugiram da policia. E nao fugiram da policia porque nao sao bandidos. Quem foge da policia é bandido e quem atira contra outras pessoas é assassino."
    Discordo totalmente. É o tipo de armadilha estatal, propagada na nossa educação de que o estado está sempre certo à priori, e o indivíduo errado.
    Não estou dizendo que o cara não era bandido e provavelmente era. Mas é o tipo de coisa que te leva a pensar que o policial é incorruptível e você lhe deve obediência, sendo que o indivíduo deve ter sim, todo o direito de atirar contra o policial e de fugir.

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    1. Bom dia CF - tudo bem ? Acho que seu comentário vai ser bem polemico, mas eu acredito que entendi seu ponto de vista.

      Na minha opinião a policia tem sempre que ter uma atuação forte. falo isso, inclusive, por ter familiares que fizeram parte da corporação no passado (hoje estão na reserva) e conhecer um pouco o dia a dia deste profissional.

      É obvio que policia forte nao quer dizer policia que mata. E no Brasil a policia mata muito - culpados e inocentes. Mas no Brasil, a policia também morre muito (quando em serviço, óbvio). Os criminosos no Brasil também reagem mais e atiram mais contra a policia. E porque isso acontece ?

      Além dos fatores como renda, educação, acesso a saude, moradia, oportunidade de trabalho digno, estrutura familiar, uso e drogas e bebida, carater do individuo, etc... tem um componente histórico que eu acredito que influencia na decisão do bandido de atirar contra um policial. No passado, principalmente durante os anos da ditadura, a policia passou a atuar mais fortemente e com bastante liberdade pois o governo era militar ... divisões como a ROTA começaram a patrulhar as ruas e cometer excessos ... quando os bandidos perceberam que em um confronto com a ROTA se ele decidir se entregar ele também vai morrer, os bandidos passaram a reagir pois nao tinham mais nada a perder. De outro lado, a policia começou a ser mais atacada e então começou também a atacar antes pois ninguem quer morrer. É tipo o dilema de Tostines: A policia mata mais porque é atacada ou é atacada porque mata mais ?

      Tem dois bons livros que mostram um pouco dos dois lados e seus modus operandi: Rota 66 e O Dono do Morro Dona Marta. O autor do Rota 66 é Caco Barcellos e do outro livro nao me recordo neste momento.

      Um grande abraço,

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    2. ""sendo que o indivíduo deve ter sim, todo o direito de atirar contra o policial e de fugir.""

      Cara... o que foi isso?

      Não acredito que alguém defende o direito de um cidadão, de atirar na polícia ou fugir.

      Isso não é um direito, não somos livre para fazer o que quisermos... está ocorrendo uma distorção do conceito de liberdade.

      Putz... eu nem vou perder tempo em debater isso... só queria parabenizar o policial que corajosamente fez o trabalho dele...e o juiz que não sensibilizou com o bandidinho...

      Ahhh mais foi a primeira vez dele!! Como se isso fosse um argumento válido...Se um bandido mata alguém da minha família eu não quero saber se foi a primeira vez dele... eu quero ter a certeza que seja a última... que ele seja morto ou vá para prisão.

      Existe uma ridícula demonização de classes vinculado pela mídia...

      Policiais, Médicos, Advogados, Juízes, Empreiteiros, etc...Sempre uma classe diferente é o alvo, a bola da vez...

      Gozado que nunca criticam os jornalistas... as mateiras parciais, compradas, a arrogância, as meias verdades...

      A população não tem discernimento e engolem qualquer merda que assistem no fantástico..

      A verdade que existem péssimos profissionais (no sentido ético) em todos as áreas... mas sempre fazem parte de uma minoria...


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  2. É um "teatro"... rsrsrsrs

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    1. Verdade... essa foi a nitida impressão que tive. Mas confesso que gostei bastante de participar e entender um pouquinho mais como funciona o sistema de justiça no Brasil. Sempre aprendemos alguma coisa.

      Um grande abraço,

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  3. Só é uma pena que o bandido não cumprirá nem 3 anos de prisão em regime fechado, e ele sabe muito bem disso, esse é um dos maiores problemas da violência do Brasil!

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  4. "Enquanto o juiz definia a pena, chegou uma pizza para os jurados comerem e o promotor pediu para darem um pedaço também para os policiais que faziam a guarda do reu e um pedaço também para o reu."
    Que cena essa..kkkkk
    Executivo descobri o seu blog agora. Muito bom esse post e os outros poucos post que você fala sobre seu trabalho.

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